15.2.16

A minha tristeza está de quarentena.


Guardei a minha tristeza num recipiente transparente, para a conseguir ver, para a ver de frente, para a ver olhar para mim sem me agarrar, sem me tocar, sem me contagiar.
Não é um recipiente, é um frasco, sabes daqueles frascos de vidro com tampa de lata; acho que um dia guardou compota de morango, bem, não importa, hoje guarda a minha tristeza a olhar por mim, e eu por ela.

Gosto de agitar o frasco para a ver bater nas paredes de vidro, diverte-me brincar com a tristeza, mas só em ambientes impermeáveis.

De tanto olhar para ela criou olhos, não me interpretes mal, eu disse que ela olhava por mim e é verdade, mas não tinha olhos, ou melhor, eu não via os seus olhos e hoje vi ... há três palavras em cada uma das cores dos seus olhos, ainda não as encontrei todas, mas vou encontrar. No castanho mais claro, o mais longe do centro, no castanho periferia, li a palavra "celeiro".

– Não entendi Tristeza, sei que encontro melancolia nesta palavra, mas porquê "celeiro"? - perguntei.

A minha tristeza não fala, logo não responde às minhas perguntas; comunica comigo em lágrimas e testa franzida, as minhas não as dela. Nunca sei o que é sim nem o que é não. Certo dia pedi-lhe para me fazer um sinal, para me piscar uma ou duas vezes, mas a resposta foram dois dias de cama em quarto escuro como retaliação. Por isso decidi guardá-la num frasco de vidro; não é assim tão mau, o rótulo é bonito, ainda se sente o cheiro doce do morango e aposto que se lamber o vidro (por dentro) ainda lhe consigo descobrir o sabor.

A minha casa não é o meu lar, tem mais humidade e frio que concebo à palavra. O cheiro a mofo sempre que passo pela porta causa-me o desconforto de não ser bem vindo e sinto que o bolor nas paredes ocupa o espaço que devia estar reservado às minhas memórias, em fotografias ou pinturas, por exemplo. Por vezes as manchas escuras parecem sombras de um esboço em pau de carvão ou de uma fotografia a preto e branco. Outro dia, digo outro porque não tenho memória de qual, também não importa, era um dia como o anterior e estou convencido que terá sido igual ao seguinte, mas nesse dia como outro qualquer reparei que conseguia reconhecer um sorriso teu na mancha de bolor no canto da sala. A tua ausência não abandonou ainda esta casa.

A humidade da casa condensou no interior do frasco de vidro onde a minha tristeza descansa.

– Cresceste! - disse-lhe.

Ela piscou as olheiras e reconheci a palavra "angústia" no cinzento.

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