30.1.12

Lembra-se que conseguia ver melhor com os olhos fechados, de falar melhor com os olhos fechados, de ouvir melhor com os olhos fechados.


Hoje, no final da tarde, no dia em que a vida lhe apresentou o lobo mau, ela abriu os olhos e começou a corar.

20.1.12

Mesmo com dor de dentes, o pente vive um grande encarniçamento pelos fios empeçados de pontas espigadas.

9.1.12

Ontem comi três bolos secos que a avó costumava inventar na cozinhaflor anexa ao quarto rosa com cheiro octogenário.

Ilustração: Juba Faria
Sempre sentimos os doces dela nas canções e contos inventados junto ao anfíbio metálico que aquece o ar antes de sufocar. A casa tem o calor típico das de bonecas e o lar tem o sofá forrado a bombazina bege. A marca do teu espaço no lugar em frente à televisão apenas diz que preenchemos os espaços vazios com claves de sol e dó maior de músicasorriso. Eu compreendo que a lágrima cega não será a última.
Amo-te com a camisola grossa castanha, mesmo quando a usas dentro de casa.
Na verdade, existem formas sentidas de conseguir um abraço teu, não tivesse eu com a camisola castanha no dia em que o teu vestido de alças fez as honras debaixo dos flocos de neve e o tom roxo do teu sorriso misturou-se com o meu em banho-maria pequenina. Mas agora, lá fora, o jardim escorrega em folhas secas e sei que basta cruzar o meu olhar contigo para que o nosso mundo se assuma em pensamento estaladiços.
Tal como naquela manhã, em que desci as escadas de pés juntos (como as bonecas) e o fogão refogava pão afogado em ovo, mais leite queimado em pele aflita. Em música de fundo tinha beijos soprados em mãos cheias de açucanela e dentro de uma gargalhada assumida a dois, as fatias ficaram com a cor das folhas secas. Disseste-me entre pestanas "não sinto a lágrima".
Tal como na noite escurazul em que mergulhei os punhos em água fria porque marcavam batimentos rápidos. Disseste-me que a calma habita as sombras do quarto. Partilhamos o travesseiro e beijaste-me entre o abrir e fechar dos olhos (do sol aos pés da cama), para que depois, ao primeiro toque pincelado da luz, a ponta dos teus dedos posicionassem o espelho redondo de forma a este se reflectir na parede. Disseste que tínhamos o sol a nascer também à cabeceira da cama.
Talvez seja um sol que absorva todos os sonhos maus… Mas se estiveres perto de mim, nem de sol, nem de anfíbios metálicos e nem dos santinhos todos da avó vou precisar para me sentir bem.
Maldito CO que chegou depois do cabelo químicocaduco (com posição periódica), das veias quebradas e das flechas radiológicas na espinha do espinhado solitário.
Hoje, finalmente, senti o gelo soprado dentro da casa de bonecas porque agora tem todas as portas e janelas abertas por insónias desabitadas.
V.B.Mefistófeles & TiiL